terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

O baú das recordações



Meus queridos amigos, escrevi isto hoje dia 12/02/2008 para nós...

Dedico este texto à Letinha, à Sao, ao Vitor, ao Arnanldo, ao Virgilio, ao Fernando, ao Toringa, ao Guimas, à Mena, à Célia, ao Nelo ao Ventura, ao Helder e a todos os que me receberam e vivem comigo na "sala" onde está o baú. Amigos que me ajudaram a recordar de uma forma bonita tudo o que estava fechado a sete chaves e que partilharam comigo as suas recordações abrindo também os seus baús.


Entrei numa sala desconhecida lentamente, olhei em volta e a um canto, meio abandonado, estava um pequeno baú de madeira, forrado com folhas de lata azul, sem entender bem porquê aquele velho baú fascinou-me, lentamente aproximei-me. Era um baú de viagem antigo, na tampa estava colado um rótulo redondo onde se podia ler CNN (Companhia Nacional de Navegação) e por baixo estava escrito Baú de Recordações, logo ao lado uma grande etiqueta dizia “Frágil”. Parei em frente e um turbilhão de sentimentos estranhos invadiu o meu corpo, não me lembrava daquele baú mas sabia que tinha que o abrir. A medo, levantei a tampa que inevitavelmente me levaria de volta ao passado como uma máquina do tempo e nesse momento, começou a minha viagem a um mundo que foi meu e onde as recordações se misturam com as de outras pessoas em delicados bailados, em complicadas acrobacias, em doces relíquias e em fortes laços invisíveis.
Sentei-me no chão e reparei que o baú apesar de não ser muito grande, funcionava como a cartola de um mágico que mesmo sendo pequena consegue ter lá dentro as coisas mais incríveis e com o dobro do tamanho. Ganhei coragem, respirei bem fundo, fechei os olhos e meti a mão no baú. Senti uma coisa fria que se mexeu na minha mão, abri os olhos e pasmada vi a osga branca que vivia na minha casa em Luanda. Era uma osga de estimação, tratada lá em casa como se fosse uma vaca sagrada na Índia, porque segundo a minha mãe dizia ela protegia-nos comendo os mosquitos que nos queriam espetar o ferrão, fiquei tão contente por a ver de novo que quase lhe dei um beijo, afinal, até da osga sentia saudades e não sabia, até abrir aquele baú tão especial. Isso deu-me coragem para continuar a minha investigação mais uma vez enfiei a mão no baú e dei uma gargalhada, na mão tinha o meu primeiro soutien feito por medida numa costureira do meu bairro, logo em seguida segurava o meu biquíni vermelho com pintinhas brancas numa mão e na outra mão uma folha de welwitschia, a coroa do deserto. Nem queria acreditar que tudo aquilo estava ali dentro guardado, as lágrimas já brilhavam nos meus olhos quando misturado com as chaves da minha casa retirei um porta-moedas com algumas moedas e um sermão do Padre Costa Pereira dito numa missa de domingo. As coisas continuavam a aparecer da forma mais estranha, deu-me um ataque de tosse quando inadvertidamente peguei no carro da tifa, o carro que fazia as nossas alegrias e que era certamente a preocupação dos insectos. Parei para descansar um pouco de tantas emoções mas por pouco tempo pois a curiosidade era muito grande, remexi mais para o fundo do baú e olhei com carinho para o meu livro da 3º classe, que bonito que era e que boas recordações me trazia, em seguida toquei num botão e logo ouvi o ronco feliz da mini honda, a música do filme Trinitá, a voz de Elias Dia Kimueso e Teta Lando a cantarem no Kussunguila, e mais uma vez a lágrimas regressaram mas logo voltei a sorrir com uma pararuca colada à minha mão. O meu colo já era nesse momento, uma grande confusão mas mesmo assim ainda lá coube, o meu cajueiro de prata, meu amigo de infância, o meu doce “Jueirinho” e as mangueiras todas do meu quintal, juntamente com o meu cão Chau-Chau e o meu gato rei trinitá. As surpresas não paravam, eram carrinhos de rolamentos, pára-quedas de plástico agarrados aos fios da electricidade, e pára-quedistas verdadeiros que saltavam no golfo de dentro do barriga de ginguba ,eram papagaios de papel coloridos, campos de algodão em flor, embalagens de quinino, fios de missangas coloridos, gargalhadas dos meus amigos, o  disco “Amanhã” do Duo Ouro Negro, a minha bata do LGL, um churrasco bem picante com pickles e batatas fritas embrulhado num tecido com padrão de grão de café e com o prego que usava para jogar ao mundo espetado no churrasco como se fosse um palito. Mas quando vi sair, os meus patins, a lua gigante, a maré baixa de água quente e o sol brilhante a sorrir para mim entendi que dentro daquele baú estavam todas as coisas simples que me fizeram crescer feliz, estava o meu mundo onde um dia a minha vida acontecera, então decidi celebrar os bailes do clube, o cortejo dos liceus no final do ano lectivo, o cinema S.João o Miramar e o Restauração, a Igreja Sant’Ana, o brilho das nossas ruas ou o brilho dos nossos corações que brilham de amor por elas. Decidi brindar à vossa amizade e às nossas recordações como se brinda com carinho no dia dos namorados, como se brinda com alegria no carnaval, como se brinda com esperança no Natal. Brindo à vossa presença na minha vida, pois pisámos as mesmas ruas, frequentamos os mesmos lugares, vivemos as mesmas emoções e temos as mesmas recordações loucas, que só nós entendemos. Brindo ao nosso reencontro e ao nosso mais íntimo e precioso sonho, o regresso nem que seja por uns dias. Por fim retirei uma pequena estrelinha que brilhava dentro do baú, não sei se estava acordada ou se já estava a dormir mas sei, que a estrela me disse que Angola nos chama, que também ela sente a nossa falta e que um dia, voltaremos.







3 comentários:

Helder Ponte disse...

Nixa,

Puxa Menina!

Que estória fantástica! As recordações que vais tirando do baú embalam-nos numa viagem mágica aos nossos tempos de jovens; à magia dos nossos sonhos de Luanda de então.

A leitura do que escreveste absorveu toda a minha atenção e energia em crescendo, pois à medida que as coisas no baú se iam revelando mais e mais; mais mágico se tornava para ti, e mais absorvente ficava para mim, que via nas palavras que escreveste a realidade do sonho que nos enrolava em prazer.

Que texto tão sublime! Continua, querida amiga, a partilhar conosco os sonhos e a magia que só nós sabemos serem tão verdadeiros.

Sim, havemos de voltar.

Parabéns! Bem Hajas.

Um Abraço Amigo,

Helder

Nixa disse...

Padrinho
Talvez porque escrevi este txto a pensar em várias pessoas por quem tenho um sentimento especial de grande ternura,enquanto o escrevia, chorei, sorri e pensei na forma como conseguiria que ao saborearem as minhas recordações conseguissem saborear as vossas também.

bj gd

Arnaldo Rocha disse...

Para ti Nixa!! sem palavras, mas com um beijo cheio de coração, brindo também!
Arnaldo