quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

O imbondeiro

primeira parte

Altivo e orgulhoso do seu tamanho, o jovem antigo imbondeiro, espreitava a cidade lá do cimo dos seus ramos. Ele guardava religiosamente o Bairro Popular e o Sarmento Rodrigues dia e noite, protegendo-os com o seu abraço. Adorava os dois bairros que o amavam e que fervilhavam de gente que ria, chorava e se sentia em casa, tal como ele.
Com ar matreiro, franzia o sobrolho quando o sol lhe batia de frente, ria à gargalhada quando um pequeno salalé lhe fazia cócegas ao subir pelo seu tronco forte e deixava cair uma lágrima, emocionado, enquanto olhava a beleza do pôr do sol.
O imbondeiro passava horas, a olhar divertido para as pessoas que corriam, para a paragem do maximbombo e as que atravessavam o largo onde ele estava instalado, também via quem entrava e saía da mercearia, mais conhecida pela loja vermelha, devido à cor das suas portas. Como ele gostava de ver os jovens que passavam para irem jogar à bola, para a Defesa Civil e raro era o dia, em que não se achava capaz de jogar melhor do que eles e até de marcar vários golos. O simpático imbondeiro, tinha pena de não dar uma palavrinha à "Joana Maluca" e tinha um enorme desgosto de não poder comer pão, porque o cheirinho que vinha todas as manhãs do depósito do pão era mesmo irresistível.

Às vezes, distraía-se a ver umas coisinhas que ele não sabia como se chamavam mas que caiam do céu, uma vez tinha ouvido dizer que eram pessoas que saltavam de um avião mas ele pensava que isso não era possível, porque estava farto de ver pessoas e nunca tinha visto uma com asas.
O dia da semana que ele mais gostava era o domingo. Ao domingo iam muitas pessoas à missa e à hora de almoço, havia quase sempre no ar, um cheirinho bom a churrasco bem picante, à tarde passavam todos para o baile, sempre muito bonitos e sorridentes. Os namorados muito apaixonados, às vezes paravam mesmo encostadinhos a ele, beijando-se carinhosamente e trocando doces palavras enquanto ele os protegia dos olhares indiscretos dos vizinhos. E as brincadeiras das crianças ao fim da tarde? Isso sim, era muito bonito e ele também brincava com as crianças, era o coito porque como era muito grande não se podia esconder...
O imbondeiro recebia a chuva fazendo engraçadas caretas e durante uma trovoada tentava ficar quietinho. Ele não gostava nada de trovoadas porque tinha ouvido dizer muito mal dos relâmpagos, diziam que eles tinham mau feitio, por isso nessas alturas, desejava ser um pouco mais baixo para os relâmpagos não o verem, como isso não era possível tentava passar despercebido.
Se havia coisa da qual ele se orgulhava, era do seu nome. Por vezes, achava que tinha nome de rei uma vez que o seu nome se podia escrever de duas maneiras "embondeiro e imbondeiro" ele estava mesmo convencido que era uma arvore de" seiva azul", porque até a sua flor era diferente, tinha uma flor linda, branca como a neve, delicada, mto graciosa e que não deixava as pessoas indiferentes. Também o seu fruto era um enigma mas fazia as delicias das crianças que ao regressarem da escola se apressavam a ir até junto dele para ver se conseguiam apanhar um "rato" era o nome que às vezes davam à mukua, por ser um fruto grande e por ficar pendurado como um rato preso pela cauda. Ele ficava com o coração em festa, quando as crianças abriam a múkua e iam saboreando cada pedacinho enquanto riam e o faziam sentir que não era preciso muito para ser feliz.
Todos os moradores estavam habituados a ele e gostavam de ter por vizinho um imbondeiro imponente, protector, sensível, disponível, brincalhão e por vezes até confidente e cúmplice, no fundo, o imbondeiro fazia parte das suas vidas, era um amigo.
Mas...

sim esta história tb tem um" mas", aliás tem dois "mas" como vão ver mais à frente...Um dia, estava o imbondeiro a acabar de acordar, quando chegaram ao largo uns senhores que ele não conhecia, com uma maquina muito grande e muito estranha e nesse dia, aconteceu o pior, os bairros, ficaram sem o velho jovem imbondeiro. Que saudades deixou naquele largo, que sem ele parecia maior e incompleto. O imbondeiro foi sacrificado porque a civilização imperturbável assim o exigiu, tinha chegado a época do alcatrão. Foi também a civilização ou talvez a falta dela que anos mais tarde fez com as pessoas que o imbondeiro tanto amava o mesmo que tinha feito com ele anteriormente, tb elas tiveram que partir sem serem consultadas, sem ouvirem os seus pedidos, sem se importarem com os seus desejos e sonhos.
Infelizmente a vida é assim por isso, a natureza cria recantos idílicos que a civilização no seu galope louco estraga e as pessoas criam catedrais onde as suas raízes, sorrisos e afectos crescem e se entrelaçam e quando a "não civilização" passa indiferente tudo termina em dor e saudade...
Mas…
mas...a história não termina assim. Hoje, o imbondeiro tem uma vida muito diferente mas é de novo feliz. Já não é imponente como antigamente mas continua cúmplice, amigo, sensível, disponível e confidente além disso agora é um ninho. Sim ele é um pequeno e simpático ninho em forma de mesa rústica e banco, situado no recreio de uma escola onde diariamente os alunos se aninham como que à espera da sua protecção. De manha os alunos chegam a correr e vão para as aulas, ele espera pacientemente que toque para o intervalo e nessa altura, os alunos correm na sua direcção para comerem o lanche ou para falarem dos seus sonhos, por vezes contam a rir como a professora de Geografia se engasgou a tossir ou a malandrice que fizeram na aula do professor de História mas o melhor, é que ainda participa nas brincadeiras, continua a ser o coito e ele gosta disso. Depois das aulas, tem como amigo nocturno o cão de guarda da escola, a quem gosta de contar a sua história antes de irem dormir. Conta o imbondeiro que quando o arrancaram pensou que morria, depois ouviu dizer que iam fazer dele uma piroga bem grande para ficar na zona do Morro dos Veados mais tarde chegou uma encomenda da escola e ele foi transformado numa mesa redonda enorme com um grande banco à volta. Foi assim que o destino do imbondeiro mudou, hoje esta feliz, tem os seus meninos e o seu amigo cão e como esta mais baixo já nem tem medo dos relâmpagos mas as saudades do largo e das pessoas continua viva no seu coração de madeira. Tal como o imbondeiro, as pessoas mudaram, são os mesmos mas estão diferentes, existem novos amigos e a família aumentou mas também eles não esqueceram e as saudades continuam. À noite, enquanto o sono não vem ou quando olham para as estrelas tanto o imbondeiro como eles pensam voltar um dia. Não para voltarem atrás no caminho, não para viverem o que não viveram, não para fazerem o que não fizeram mas sim para apanharem do ar o sabor a mel dos seus sonhos e para pisarem de novo o chão macio das suas vidas encontrando assim as suas raízes...


FIM (ou apenas o principio de uma nova historia)


5 comentários:

Letinha disse...

NIXA!!!

Parabens!!!!

Ainda bem que decidiste abrir um Blog para os teus Textos e Histórias.
Vou ser leitora assídua e já está nos meus Favoritos...

Continua, minha Amiga...pois os teus textos têm Vida!

Beijinho

Letinha

ALPHARÁBIOS disse...

O meu amor pelos Baobás, ou como vocês chamam, os imbondeiros, me fez chegar até o seu blog. Belo texto. Gostei muito e desejaria continuar lendo. Abraço fraternal desde o Rio Grande do Sul. Atenciosamente,
Rondon
rondon@smail.ufsm.br

Nixa disse...

Ola Rondon
muito obrigada pelas suas palavras e fico feliz por alguem que está tão longe no espaço real, poder estar tão perto neste espaço virtual e conseguir dessa forma ler o que escrevi.
um bj

Maria Isabel disse...

Olá Nixa Boa Noite.
Também eu morei no Sarmento Rodrigues. Também conheci a D.Júlia e era muito amiga do Armelim. Sabes alguma coisa deles? Tu moravas ao início da rua do clube, eu morava na 2ª rua a segui á mercearia do Sr Dias. Possívelmente até nos conhecemos. deixo-te o meu contacto.isabel.goncalves2512@gmail.com. Beijinhos. Contacta-me

Roque disse...

Lindos contos!

Gostei dos amiguinhos salalés fazendo cócegas no imbondeiro...hihihi...Pode fazer uma divertida historinha com os amiguinhos salalés alegrando o imbondeiro fazendo-lhe cócegas?