quinta-feira, 3 de abril de 2008

Cascais


Mudar para Cascais em Agosto não tornou a minha vida mais fácil nem me fez esquecer o que vivia presente no meu coração mas aumentou o tamanho do céu e do espaço, senti-me menos apertada, mais livre. Além disso descobri em Cascais, no horizonte, enquanto olhava para o mar, o ponto exacto onde Angola começa e isso deu-me uma paz que há muitos meses não sentia, esse ponto permitiu que me sentisse menos longe dos meus amigos e do chão que eu amava. A partir desse dia olhar para aquele ponto de Cascais, ajuda-me em momentos maus, dá-me coragem em dias de desalento e dá-me o bem precioso de acreditar que afinal Angola está tão perto que é possível voltar um dia destes. Mas voltando à minha chegada à zona do mar e do céu mais azul, aqui tudo era diferente da cidade tão fria e triste mas as dificuldades continuavam. O meu pai procurava um trabalho que teimava em não aparecer a minha mãe desesperava porque pensava que já tinha sido enganada na compra da mobília de quarto que nunca mais aparecia e eu que tanto sonhava ter 16 anos continuava perdida e sem amigos. Na rua de S. Bento havia uma loja de móveis que ficava mesmo por baixo da casa onde vivemos depois de chegarmos a Lisboa, antes de virmos para a casa nova a minha mãe comprou uma mobília de quarto para ela e para o meu pai, não comprou para mim porque uma das minhas condições para sair de Luanda com menos “fitas”, foi trazer a minha mobília de quarto, bem tentaram mas não me convenceram a ficar sem ela, para falar verdade eu não me queria separar de nada e Luanda só não veio no bolso ou num caixote porque não cabia. Voltando novamente à mobília de quarto dos meus pais que por não aparecer os obrigou a dormir no chão durante semanas, uma vez que quando a minha mãe telefonava, na loja o telefone tocava mas ninguém atendia. Um dia quando a minha mãe já desesperava e achava que tinha mais azar do que um porco sem lama para se deitar, alguém atendeu o telefone e tudo ficou esclarecido menos a maldade pura e gratuita que tinha levado aquela história tão longe. O que tinha acontecido era inacreditável, o dono da loja tinha combinado com a minha mãe entregar a mobília num determinado dia, que por acaso era o seu último dia de trabalho antes das férias e só não fez a entrega conforme estava combinado porque a sua simpática vizinha do andar de cima a nossa ex-senhoria do quarto alugado e dos baldes em fila no quarto de banho, tinha descido as escadas com grande esforço e abnegação e o tinha informado que a minha mãe lhe tinha ligado para dizer ao senhor das mobílias que não ia estar em casa nesse dia. O senhor fez o que lhe mandaram, foi de férias no dia seguinte e quando regressou ficou à espera que a minha mãe marcasse nova data para a entrega uma vez que nós não tínhamos telefone para ele nos poder telefonar. Assim ficou resolvido o problema da mobília que deixou mais uma marca de mágoa pela forma como nos tratavam. Como o meu pai não arranjava emprego decidiu vender artigos de praia, fios, anéis e brincos e transformou-se em vendedor ambulante, nunca deixando de procurar um emprego que só chegou dois anos depois e que lhe deu a estabilidade financeira que ele tanto desejava e merecia. Eu mudei de escola e fui estudar para o Colégio dos Maristas que nesse ano se tornou uma escola pública e ao contrário da escola anterior nos Maristas, grande parte dos alunos e até dos professores eram retornados e como os rapazes retornados eram lindos cheios de charme, tanto pelo novo vocabulário como pela maneira de andar “merengada” como pela sua maneira de estar muito mais descontraída, acho que as palavras certas para definir os nossos rapazes era, “diferentes em tudo” por isso depressa se tornaram os favoritos das raparigas de cá que tentavam a todo o custo serem nossas amigas tentando até de uma forma um pouco ridícula imitar a nossa maneira de falar usando a nossa gíria, que era muito vasta e que ainda hoje circula por esse Portugal fora, tentando dessa maneira aproximarem-se dos nossos amigos que mais pareciam fruta desejada fora de época, eram devorados pelas miúdas. Nós raparigas também tínhamos uma carrada de fãs mas não lhes achávamos gracinha nenhuma eles eram aquilo que nós em Luanda costumávamos chamar “parolos” mas os nossos meninos deram umas aulas de “bom ar” e ao fim de um ano estavam muito melhor. Aprendi a gostar de Cascais e arredores antes de aprender a gostar de Lisboa, durante muito tempo, Lisboa foi para mim um sítio escuro com pessoas escuras por dentro. Anos depois consegui apreciar a beleza antiga da cidade, o ar romântico do rio e consegui o impensável, sentir orgulho e amor pela história e vida da cidade. Amar Cascais, Lisboa e o meu país não me impede de sonhar nem de sentir que o meu sonho está cada vez mais vivo e firme, um sonho simples mas que se junta à esperança mesmo ao lado da certeza e eu sei que, os três juntos, um dia vão transportar-me até àquele ponto que eu vejo no horizonte e vou chegar a horas de ver o pôr-do-sol, para cumprimentar logo a seguir a lua enorme enquanto me deixo inebriar com o cheiro da minha terra.

1 comentário:

Letinha disse...

Ainda bem que não fiquei por ...Lisboa!
Refilona como era, tinha levado uma carga de pancada de alguém!

Aqui no "mato"... e tudo mais calmo, apesar de estar longe de muitos encontros e convívios...

Jinhos

Letinha